sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

José Genoino falando sobre as Forças Armadas e a homossexualidade

CÂMARA DOS DEPUTADOS - Detaq
Congresso Nacionao - Sessão
Número: 004.4.53.O
Data: 04/02/2010

O SR. JOSÉ GENOINO - Sr. Presidente, agradeço, em primeiro lugar, a gentileza do Deputado Raul Jungmann. Fiz a inversão, e S. Exa. falará, em seguida, nas Comunicações Parlamentares.

Sr. Presidente, quero pronunciar-me sobre um assunto que é importante ser discutido no Congresso Nacional, é um assunto delicado, mas sobre o qual tenho opinião e posição definida. Refiro-me à matéria do jornal O Globo, que transcreve as declarações do General Raimundo Nonato de Cerqueira Filho, a mais contundente, e também do Almirante Luiz Pinto, quando foram sabatinados pela Comissão de Justiça, do Senado Federal.

Esses oficiais pronunciaram-se na sabatina de que as Forças Armadas não devem aceitar a presença de gays, sugerindo que eles procurem outras atividades. Na argumentação, o oficial admitiu a existência de gays nos quartéis, mas disse que eles só devem ser aceitos se mantiverem a orientação sexual em segredo. Fala que o indivíduo não consegue comandar, a tropa não vai obedecer, não que o indivíduo seja criminoso, e, sim, o tipo de atividade, se ele é assim, talvez, haja outro ramo de atividade que possa desempenhar. E fala que essa orientação não é condizente com a atividade militar.

Em primeiro lugar, quero manifestar-me contrário a essas declarações. Faço isso como um Deputado que defende, respeita e trabalha em torno de uma agenda para as Forças Armadas, que organize, com base no projeto nacional, sua profissionalização, sua valorização salarial, o acesso à tecnologia de ponta. Valorizo a presença das Forças Armadas em missões importantes. Ontem fizemos, com relação aos militares brasileiros no Haiti, e sei que o Deputado Raul Jungmann vai falar sobre o assunto, e dirigiu uma comitiva de Deputados, uma homenagem com 1 minuto de silêncio.

Tenho uma visão positiva sobre esta agenda que estamos discutindo acerca do tema da defesa, e mantenho um diálogo permanente e positivo com as Forças Armadas. Exatamente por este motivo faço questão de manifestar minha discordância e a opinião pessoal de que, do ponto de vista das Forças Armadas, não condiz com o mundo atual.

O Presidente Obama está discutindo com as forças armadas norte-americanas o ingresso de gays nelas. Isso acontece nos Estados Unidos. As Forças Armadas ganham o prestígio e a popularidade do povo brasileiro. Opiniões como estas estão na contramão, são de um nível de reacionarismo e preconceito que não condizem com o papel democrático de futuro para as Forças Armadas.

Vejam bem, a Constituição deixa clara a livre orientação sexual: não pode sofrer discriminação. A livre orientação sexual tem de ser reconhecida, e não pode haver discriminação, nem mesmo no local de trabalho. Pode existir em segredo — publicamente, não existe. Quer dizer, existe uma discriminação dupla. Não é crime. A pior coisa é a seguinte: não é crime, conforme diz o oficial, mas só se for em segredo, porque, se for reconhecida, é crime. Isso não pode. Não é crime, mas não pode ser militar. A propósito, já houve episódios nesse sentido. Eu acho que este não é o pensamento dominante das Forças Armadas, nem do oficialato brasileiro.

Nós temos de tratar essas questões, Sr. Presidente, sem preconceito, sem tabu. A atividade militar é essencial para o País. A atividade militar baseia-se na hierarquia, na disciplina e na capacidade de combate — é isso que se exige. Não é a orientação sexual, não é a condição deste ou daquele militar que vai discriminar. A visão não pode ser esta.

Se ele diz que um oficial ou um militar gay não pode comandar, e um prefeito? Um governador? Não pode comandar? Não pode haver isso. Não é bom. Eu chamo a atenção destes 2 oficiais. Eu defendo as Forças Armadas. Trabalho, repito, com uma agenda positiva. Mas manifestações como estas são desnecessárias, não contribuem, muito menos para 2 oficiais que vão para o Superior Tribunal Militar. Lá, certamente terão de decidir sobre questões disciplinares dessa natureza. Como se dará esse tipo de posicionamento?

Eu gostaria de fazer este registro. Faço-o porque, desde a Constituinte, tenho posição clara quanto a não discriminar homens e mulheres por orientação sexual, por livre orientação sexual.

Participei recentemente de uma conferência latino-americana e Caribe, que defende os direitos de gays, lésbicas, transexuais e homossexuais. A sociedade moderna, Sr. Presidente, é plural e tem que conviver com as diferenças, as maiores diferenças, as mais complexas, sem discriminar, sem humilhar, sem excluir. É nesse processo democrático que a sociedade amadurece.

No meu modo de entender, as Forças Armadas, que representam o Estado brasileiro naquilo que é fundamental, que é a defesa, o poder armado, têm que refletir sobre estes tempos em que estamos vivendo, um mundo democrático.

Eu tenho uma posição clara sobre esse tema. Sou autor de um projeto que defende a união estável entre pessoas do mesmo sexo, para efeito de direitos civis. Trata-se de união estável não para constituir família, necessariamente, nem para adoção, mas de união estável para reconhecer direitos civis em relação à partilha, aposentadoria, garantias de direitos e cidadania, que eu coloco no tema dos direitos civis.

Por isto, faço esta manifestação. E a faço também para defender o papel das Forças Armadas, a agenda das Forças Armadas, a estratégia nacional de defesa, o aparelhamento das Forças Armadas, o acesso à alta tecnologia, a valorização profissional e o respeito ao papel das Forças Armadas como instituição permanente do Estado.

No entanto, sobre esses 2 oficias, que, ao serem sabatinados no Senado, emitem esse tipo de opinião, sendo que irão para o STM e poderão cair naquele Tribunal questões relacionadas à livre orientação sexual de militares, eu não poderia ficar calado.

Por isso, faço esta manifestação com um objetivo duplo: primeiro, porque defendo a união estável para efeito de direitos civis — sou contra qualquer tipo de preconceito. Segundo, porque sou um defensor das Forças Armadas e reconheço seu papel positivo como instituição do Estado. Tenho que me manifestar até para separar a instituição da manifestação desses 2 oficiais.

(O Deputado Raul Jungmann faz intervenção fora do microfone.)

O SR. JOSÉ GENOINO - Muito bem. O Deputado Raul Jungmann disse: bravura não é questão de gênero. Muito bem, Deputado Raul Jungmann.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

retirado aqui

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